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Os painéis de azulejos da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes

Os painéis de azulejos da Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes

A seguir às grandes movimentações sociais do 25 de Abril surgiu na longa parede que se estende à frente do Mercado D. Pedro V uma espécie de mural revolucionário de que deve haver escassas memórias em escondidos arquivos fotográficos.
Eu mesmo guardei alguns slides que documentam esse vestígio do entusiasmo popular e que comprovam esclarecidamente que o acto de requalificar esses muros, entre 1984 e 1986, não foi um grande acto de coragem: foi apenas um acto de lucidez mínima, conforme documenta a imagem acima.
Quanto aos azulejos de substituição houve certamente pressa demais em fazer obra e não houve coragem de consultar alguém que estivesse à altura do restante património edificado na cidade. O local, pela sua extensão e configurações seria sempre problemático, não ajudando o facto de ser um espaço que se atravessa geralmente sem olhar para o lado.
Conheci o seu executante como brioso profissional de artes gráficas, o Senhor Amílcar Matias, do qual conservo a melhor recordação pela sua paciente e laboriosa cordialidade. A encomenda que lhe fizeram era coxa, o conceito da obra proposta não se insere nem na tradição monumental da cidade nem na memória que o país (julga que) tem do que são os azulejos como técnica artística de revestimento.
A obra configura-se como uma simples “passagem de slides”, citações tal e qual de ângulos monumentais da cidade de fotogenia elementar. As figuras escolhidas de “postal turístico” são envolvidas por um halo de brancura que produz com a parede envolvente um contacto duma frieza extrema em tudo distanciado de qualquer dos opulentos capítulos da gramática expressiva da azulejaria portuguesa. Uma obra de arte que cobrisse todo o enorme espaço em questão teria que ter sido concebida como um todo organicamente estruturado, com diferenciações no tipo de cobertura e vectores criativos bem orientados quanto ao seu conteúdo plástico e referencial.
Consideremos apenas dois casos concretos de murais cerâmicos que se tornaram emblemáticas dos locais onde se situam: o conjunto de sete painéis de azulejos para a AAC, “A Evolução do Traje Académico” de 1958, de João Abel-Manta, situado em Coimbra apenas algumas centenas de metros mais acima, e o painel da Ribeira Negra de Júlio Resende, à saída do tabuleiro inferior da Ponte de D. Luís I, no Porto, de 1985, exactamente contemporâneo daquele que estou a referir.
Os primeiros estão perfeitamente enquadrados na estrutura arquitectónica de que fazem parte, representam uma pesquisa rica de alusões significativas relativamente ao tema proposto e alternam de forma ideal com materiais de cobertura criteriosamente escolhidos e plasticamente orientados. O segundo é uma obra de estética muito austera e forte sinalização humanista, em suportes de grés vidrado de 30×30, que se cinge à curva ascendente de forma escalonada num aproveitamento ideal da altura a que se encontra, para se tornar visível e atingir força monumental. Infelizmente a obra em apreço não tem nenhuma destas características, não possui potencial simbólico nem expressão emblemática que lhe valha e irá doer enquanto durar, pela insignificância burocrática da concepção que lhe deu vida.
Ao fim de uma geração lá segue desempenhando o seu papel de zona de passagem que não empolga ninguém, de que quase nada se tem falado nem ensina a ver aquilo que a cidade tem de mais valioso.

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Amilcar Matias: Era natural de Casais do Campo, estudou na Escola Avelar Brotero e exerceu ao longo de toda a sua vida a actividade de artista gráfico com extensa obra feita, que complementou com actividades criativas diversas no domínio da cerâmica, da ilustração e do cartaz. Também se dedicava com gosto à pintura que expôs por diversas ocasiões, nomeadamente na galeria do Primeiro de Janeiro, em Coimbra.

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